Liberdade

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domingo, 3 de maio de 2015

Coração Dilacerado

Aviso: Isso não é uma historia sobre o amor. 
Nem tudo é sobre o amor. Ok?






Ficção, only, ficção.

        Os boys estão com suas calças apertadas erguendo seus instrumentos, tirando som de suas espetaculares guitarras como se fossem Jimi Hendrix e as meninas estão gritando até perder a voz por traz de seus rostos perfeitamente maquiados. Quem estará com elas no fim da noite com rímel borrado e um vazio devastador? Quem ajudará a nós que só precisamos nos sentir vivos? “Erramos feito loucos e só queremos mais um gole da bebida que tu vende aí”, pensou Dado enquanto olhava para o barman.
 Que olhos são esses de demônio? Falou a menina da voz doce.
 Nada Luzia, estou longe pensando nas minhas guerras pessoais.
 Que merda, cara. Guerras vem com visões de carne dilacerada e isso é tão fora do eixo pra se pensar num festival.
 Quem sabe seja só isso que sejamos... Carne dilacerada? Corações dilacerados!
 Um puta titulo para uma banda. Encerrou a ruiva com o olhar mais irônico da noite.
         Antes que pudessem continuar a conversa deprê foram invadidos novamente pelo som da banda que iniciava sua apresentação. O Rock´n Roll ecoava por toda parte, pessoas frenéticas se moviam ao som ensurdecedor, menos o Dado que estranhamente celebrava o aniversário de morte do irmão. A cena imunda de um garoto de 17 anos desarmado de esperanças segurando um revolver ainda lhe assaltava as noites e como não poderia ser o canal sintonizado naquele dia? Nando era um garoto com uma timidez convidativa que não fazia nada que não soasse agradável. Era o queridinho de todos, colecionador de boas notas, atleta, participava de clube de jovens na igreja do bairro, ia fazer Medicina, mas nem tudo que a gente vê por fora tem o mesmo aspecto por dentro, não é? Nando não deixou bilhete, carta ou merda assim explicando o porquê. Foi um baque que arruinou toda a família. O Dado teve que sair de casa porque não suportava mais a perda do irmão e as comparações que sua mãe fazia. Ele se culpava por não ter compreendido o que o irmão não lhe dizia. Passou anos revisitando a infância e a adolescência para achar vestígio que pudesse justificar, mas não achou. Uns cinco anos depois quando um tio muito próximo descobriu ter câncer em seu estagio final ele foi chamado de volta pela mãe que precisava de ajuda para alternar nas noites de hospital. Numa dessas noites ouviu do tio em delírios palavras balbuciadas com dificuldade que chamaram sua atenção. Palavras que falavam de seu irmão suicida, antes deste o ser. Palavras, confissões que justificaram tudo. O irmão fora uma vitima do tio que sempre fora tão amável e correto, mas na verdade não passava de um pedófilo.
         Dado não derramou uma lagrima quando o tio morreu, mergulhou em drogas e se sentiu mal por não ter estado lá pra ajudar o Nando na maldita noite que significaria seu fim sete anos mais tarde. Esse inferno pessoal lhe o acompanhava por onde fosse, mas naquela noite foi interrompido...
 Dado! Dado! Hei você está uma delicia... devíamos sair juntos daqui hoje.
 É, não seria nada mal abrir até o fim o zíper do seu vestido, gata.
     Luzia levou a bebida até a boca desenhada em vermelho-sangue e ele fingiu estar completamente interessado. Assim era mais fácil esconder seu coração dilacerado.


Cristina Braga



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