Liberdade

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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O porquê

     
   À Yasmin.

        Um dia uma menina vai lhe perguntar o porquê. Aquela singela pergunta que implica entender como você veio a se tornar o que é. Não posso afirmar que será tua filha, na verdade as meninas tem uma curiosidade aguçada, uma necessidade de ter a porta aberta para desbravar mundos sem precisar de muita formalidade para isso, sequer precisam intimidade ou laços sanguíneos para sentirem vontade de procurar coelhos em cartolas mágicas. 
         Quando você se sentir desafiado irá olhar em volta e sentir a incrível necessidade de não mentir. Seu cérebro será invadido por um turbilhão de imagens e não será fácil explicar porque terá mais do que possa processar. Haverá movimentos, cheiros e sons que serão difíceis de imprimir para improváveis hospedes já que só você sentiu com aquela intensidade como cada um desses impulsionadores de sentidos te influenciou através dos anos. E mesmo sem saber como iniciar não pense em desanimar calando se, pois ela não vai adiar essa conversa, pois garotas são insistentes a mesma medida que transportam doçura.
         Você pensará em falar das estrelas, de como era fascinante olhar para elas e de como era preciso segurar a vontade de apontar para o céu com medo de castigos infantis. Talvez fale das canções que ouvia com os amigos quando a aula terminava mais cedo e você e eles não queriam voltar para casa. Vai citar nomes de pessoas que transformaram a vida uma grande aventura, pessoas que teve a honra de chamar de amigos, uns nem veja mais, outros são tua companhia ainda e sem que consiga controlar irá sentir saudade das bobagens que os faziam sorrir. Você tentará omitir sobre a fria sensação que sentiu dando passos voltando para casa as 19hs quando na verdade sabia que não havia mais para quem voltar. Instantaneamente lembrará das promessas quebradas e das vezes que seu coração foi partido e que você bem soube concertar mesmo jurando que não conseguiria. Quem sabe até fale da época que Deus era um sujeito que costumava conversar mesmo tendo dentro de si todas as duvidas que fez parar de puxar assunto com ele. Mas e se esquecer de algo? Umas cartas? Uns copos vazios? 
          Se tudo que despejar sobre si mesmo não for tão interessante quanto a odisseia de um rei em busca de seu reino? A Senhorita Curiosidade poderá não entender, não estava lá quando seus amigos eram teu ombro e tua lucidez e por mais que ela leia tudo que escreves não poderá respirar a essência que emanava daqueles dias, os dias em que tua juventude era tudo o que tinha. E no fim adentrar uma outra mente sempre é confuso em demasia. Ha o perigo do ouvinte se apegar as pessoas, aos heróis já mortos. E se ela se apaixona pela boêmia contida ali? O que fazer se já não existir mais a mesma rota de fuga ou se quem for apresentado a ela não existir mais em você?
            Um dia meu bem, haverá tantos motivos para você ser quem é que nem uma tarde inteira conseguirá suportar suas histórias e seus risos. Aquele riso carregado por todos os sons das vozes de quem já sorriu perto de ti. Um dia talvez você transfira um pouco do que aprendeu quando descobriu com o passar dos anos que importante é não desejar muito, que objetos não são valiosos porque são as pessoas que fazem lembranças que preenchem memorias que dão luz as nossas vidas. Ah e se tiver a atenção de alguém o faça entender que riquezas ou grandes sonhos não trazem felicidade e que as conversas são onde ocorrem as mais belas trocas da humanidade. 
             Então quando lhe fizerem uma pergunta sobre os motivos de ser quem é, faça um favor a sí mesmo dando tudo que pode, menos o silencio. O silencio em uma situação como essa seria uma negação a toda beleza contida em tua vida e independente do que houve, nós sabemos: foi belo.


“E essas memórias perdem o sentido
Quando eu penso em amor como uma coisa nova
Embora eu saiba que nunca vou perder o afeto
Por pessoas e coisas que vieram antes
Eu sei que, com frequência, eu vou parar e pensar nelas.”

In my life, The Beatles


A musica mais doce de retrospectiva de todos os tempos.
Fiquem com In my life e até 2015!





terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Agonia



Tem um pedaço de vidro em meu coração.
Que me machuca e enlouquece a cada batida.
Faz de todo meu corpo uma inteira ferida.

Tem um pedaço de vidro em meu coração.
Ele afunda quando é fundo meu respirar
É um golpe do qual não vou desviar.

Tem um pedaço de vidro em meu coração
Fere. Rompe. Faz sangrar
E mesmo que eu tente não posso arrancar.

Quisera eu dissolvê-lo em meu sangue.
Quisera eu ser somente razão.
Mas aqui sigo refém da minha própria inquisição.

Tem um pedaço de vidro em meu coração...
Nem sei porque te conto se você não sabe o que é ter um.


Cristina Braga

domingo, 7 de dezembro de 2014

Deuses

As palavras tem asas
Voam para longe quando não acompanham o compassar desse coração desgastado.
Elas se lançam ao silêncio com tamanha pressa que eu não consigo alcançar nenhuma.
Coloco um sorriso para decorar esse rosto.
Logo estamos frente a frente sem ter muito o que dizer um ao outro.
Um amigo me disse que o fundo do poço é um lugar incrível para estar.
Que as possibilidades emergem dos finais.
Eu sorri, mas devia ter feito o tempo parar naquele instante.
Os amigos são deuses.
Vejo uma mitologia completa feita deles.
Suas virtudes e suas falhas são edificantes.
Na vida real que dividimos
sempre ha alguém sendo salvo,
sempre há um coração em jogo,
mas lá estão eles cumprindo seu papel.
Nós devíamos fugir dessas amarras... elas doem e me envergonham
porque eu mesma as amarrei.
E mesmo estando um inteiro caos
o céu continua lindo,
e eu mal consigo respirar,
mas não há poeira ou qualquer artifício.
É só minha falta de habilidade em viver.
Sou dessas que dizem o que não pode ser dito.
Do tipo de gente que vai perder muitas vezes.
Vou esperar segurando um copo meio cheio
do vinho mais barato da cidade,
não preciso de garrafas caras
para escapar a sanidade.
Eu, diferente das palavras não tenho asas.
Mesmo que tivesse não sei se iria para muito longe.
Nessa tragédia grega eu busco romper meus limites.
enquanto alguns estão infectados
pelo vírus da normalidade.
Quem sabe possamos ser deuses um para o outro.

Cristina Braga