Liberdade

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domingo, 20 de dezembro de 2015

Alberto



Há cinco anos atrás num dia de maio Alberto deixou cair a caneta no chão e afastou-se da mesa. Naquele instante, finalmente uma ideia o vencia após anos de resistência. A ideia fora tão feroz que o golpeava sem piedade aos domingos em meio a reuniões familiares, nos trajetos de ônibus quando solitário, na meia luz do quarto depois de uns drinks. Pobre rapaz, derrotado depois de bravos vinte e cinco anos. A fulminante ideia o fez decidir: a partir dali não seria um poeta.

Na manhã seguinte à trágica decisão, por coincidência caiu uma tempestade enorme. Ele, que precisava devolver um livro na casa de uma amiga, teve a maior dificuldade no caminho porque de uma forma estranha as poças de água que se formavam não tinham nenhuma graça, eram somente obstáculos. No fim de semana seguinte recusou um convite feito por seus colegas de faculdade para enveredar pela noite, beber algumas cervejas geladas e dar risadas em meio a conversas ébrias. Não foi, não viu a menor graça. Quando o mandaram uma foto da turma em pleno nascer do sol para que ele visse a diversão que estava perdendo Alberto só pensou no desconforto e no mau hálito que deviam estar todos ali.

Os meses que se seguiram foram piores. A vida do rapaz, que antes era leve e alegre, foi mudada por ares de concreto. Nas noites não tinha mais pensamentos sobre Julietas, nenhum romance a lhe acelerar o pulso. Quando o assunto era mulher ele só conseguia generalizá-las. O que movia sua mente agora era a ambição. No quarto pilhas de livros didáticos apagavam o que antes abrigava Drummond. Com a ajuda do pai, conseguiu emprego numa empresa conceituada e a rotina passou a ser quase ter uma overdose de café por dia, ler por cima colunas de revistas populares no intervalo do almoço, em casa ligar a tv. para assistir programas policiais e manter um exemplar do jornal do dia nas mãos que outrora folhearam Quintana. Adquiriu um andar ligeiro e começou a temer todos aqueles que julgava não serem iguais a ele. Ao fim do dia exausto caía num sono sem sonhos. Num fechar de olhos, o alarme lhe gritava: "Não há tempo!"

Hoje, quando um antigo amigo o para na rua e tenta puxar assunto em vez de palavras regadas a poesia ele é seco e apressado.
— Como vai o coração Alberto?
— Saudável, obrigado! - responde bruscamente encerrando o assunto.

Cristina Braga

(Texto atualizado em 21/12/2015)

Alberto, essa musica é para você! Quem sabe ela te inspire melhor que uma ideia.