Liberdade

Liberdade

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Três

Pela noite que cantamos juntos.
Pela noite que não devia ter terminado.


Há uma vida atrás éramos mais
O caos nos consumia e em troca nos dava sensação de paz
Sujeira por todo lado envoltos por palavras e pessoas vazias
Reconhecemos nos cheios e raros um ao outro
Um poeta punk ou um musico incomum?

Quantas nuances mais existirão em ti?
Será que uivas como dizem os rumores?
Nos paradoxos da vida nós fomos lançados
E mesmo com tantos fins e distancias descobrimos como voltar...
Há uma década atrás nós éramos tolos

Esboçando um sorriso bobo tentando esconder nossos erros.
Caminhávamos por ruas solitárias em busca de intensidade e vinho
E mesmo que não encontrássemos o que queríamos 
Sempre havia a beleza de estarmos juntos
E a lei que Einstein não refutou ainda nos atrai.
Falamos a mesma língua, vibramos a mesma batida até as duas da manhã se possível.
Quantos poderão sentir uma identificação instantânea
que mesmo com o passar dos anos não passa?
Lembro do teu olhar surpreso quando comecei a cantar Nirvana
acompanhando o teu violão numa tarde próximo a tua antiga casa.
"Ela sabe", falou teu olhar brilhante...
Lembro de ler todas suas resenhas e de sorrir de tamanha genialidade,
Lembro até das duas vozes ao telefone quase ao mesmo tempo...
E só a pouco eu soube que estavam juntos naquela noite.
Já faz dez anos e nós voltamos ao inicio de nossas vidas.
Cabelos cortados, faces amadurecidas, lábios pintados com sangue.
Eu te perguntei porque não é mais o mesmo
Você só respondeu que foi a vida...
Até calei por saber que ainda estou juntando meus pedaços por causa dela.
Me fale mais uma vez sobre não deixarmos de ser jovens

E afaste todas as chances da morte nos pegar.
Amigos não devem partir para outras dimensões. 
Há sempre mais uma noite que possa ser nossa
E eu preciso do teu jeito errado tentando fazer algo certo por aqui.
Tu bem sabes que eu criei o amor sozinha e ontem ele me mordeu,
Não podes evitar que eu sofra ou que não sangre
Mas pode colocar uma música e beber ao meu lado.
Vençamos as criaturas da noite juntos

Sejamos infinitos mais uma vez.




   Essa é a cena que dá luz ao filme Vantagens de Ser Invisível
na qual Charlie define que está se sentindo infinito...
Historia sobre uma amizade à três e conflitos da minha geração.
Filme baseado em livro publicado em 1999.

E se tudo tivesse sido diferente?

               


Texto escrito em 15/05/2015, momento registrado na noite de 23/05/2015
e sentimento existente desde 1988.
            
         As vezes olho o futuro e ele me parece um labirinto imerso em nevoa. Prefiro o passado, lá é como um lugar acolhedor onde costumo ir para tomar um bom café, revisitar pessoas queridas e saborear piadas que já sei o final de cor, mas que sempre me fazem sorrir de um jeito diferente da forma que descrevi meu passado parece um episodio de Friends. A questão é que tem momentos que são tão bons que eu aperto repeat feito uma música que me vicia por semanas.
       Às vezes me pergunto se eu não estaria tão cansada se eu tivesse sido psicóloga, professora, escritora, jornalista ou tudo aquilo que eu quis ser um dia quando pequena. Quando ainda não entendia que Administração me garantiria um emprego e que dinheiro seria mais importante que prazer de ouvir, de ensinar ou de escrever. Pelo menos é o que o meu pai sempre diz e que eu nunca vou concordar.
       Vai ver eu teria um futuro completamente diferente se eu tivesse ganho dos meus pais uma máquina de escrever que eu tanto queria e se eles tivessem me colocado no mesmo curso de datilografia que meu irmão fez, ao invés de ganhar outra boneca. Vai ver se eu tivesse possuído livros em casa além da coleção de enciclopédias de capas grossas que ficavam na parte de cima da estante e que eu alcançava com dificuldade eu não citasse livros que li na biblioteca da minha escola como se tivessem sido livros meus. Recentemente me recordei de Caminhando na Chuva do autor Charles Kiefer e fui procurar em casa até me dar conta de que ele nunca foi meu assim como Os Miseráveis de Victor Hugo nunca foi e eu sofri tanto por ter que devolver. Como abrir mão de ler sobre meu querido Jean Valjean? Vai ver se eu não pudesse ler os quadrinhos do Calvin e Haroldo apenas na biblioteca do SENAI (eles não deixavam levar para casa) talvez tivesse um humor mais aguçado ou uma consciência do todo mais ampliada com dezessete anos, mas quem pode ter consciência ampliada com essa idade? Se bem que tem o Edu tão jovem e gênio e tem o Geo com uma empatia bonita de se ver e que sem dúvidas já devia ser evoluído com essa idade.
           Mas e se tudo fosse diferente? Se eu tivesse lido mais? Talvez não soubesse e amasse desenhar como amo. Talvez não tivesse visto tantos filmes nem achasse o Tom Cruise o homem mais cavalheiro do cinema. Talvez não tivesse o senso de humor que beira o nonsense. Talvez não tivesse me apaixonado por Legião Urbana aos doze nem pelo Pearl Jam aos vinte e quatro. Talvez não houvessem tantas lembranças lindas que ultrapassaram tempo e espaço junto da Raquel que me fez ser quem sou e que em agradecimento influenciei de forma doce. Talvez não tivesse sentado no fundo nas salas do Osires e não haveria de ter encontrado minhas companheiras de sonho e luz Adriana e Rosilange que como bônus trouxe uma amizade para mim sem igual como a do Alex. Talvez eu não tivesse frequentado a Igreja e como consequência não teria conhecido o Cícero e não existiriam conversas filosóficas na minha calçada na época que mais precisei delas. Talvez não tivesse dado a mínima quando o Vandemberg me falou que tinha uma banda e por ventura perderia de conhecer o Jerson, Wellington e depois o Wesley e com ele toda a poesia marginal iria pelo ralo. Talvez nunca aprendesse quanto é valioso apoiar a cena independente se não tivesse ido ao Bom Mix quando o TT me convidou a dois anos atrás e sem frequentar a cena não teria conhecido o Leo e acabaria por perder toda a evolução que ele me proporcionou. Talvez não tería sorrido e crescido tanto ao lado do Georgiano e do Alexandre nem chamado por amigo, o Diego. Talvez não tivesse admirado o Junior e sua Harmônico Vulgar, nem presenciado os silêncios mais doces do Denilton, nem feito análises do Jonas e do "seu" alcoolismo, que está mais para meu alcoolismo. Nem sequer tinha me divertido ao lado de tanta gente e conhecido bandas incríveis como a Radix, a Dr. Instinto e tantas outras das quais virei fã. E se não tivesse as mesmas oportunidades talvez não tivesse ido parar numa empresa onde passei três anos e que fez minha mente trabalhar quando ela só desejava parar e se eu não tivesse estado lá não teria conhecido a alegria da Lili, nem o charme da Mary, nem tinha afastado a Paula por preconceito, nem teria me encantado com ela depois de romper o preconceito por descobrir que nós somos a mesma pessoa... Muito menos saberia quão maravilhoso é compor um trio com ela e com o semi-nerd Iatã e hoje não estaria em uma outra empresa que encontrei outra Paula que se mostra cada vez mais um coração pulsante a bater junto com o meu igualzinho a Ligia que de fala fácil logo contagia a mim.
          Provavelmente se nada disso tivesse acontecido eu não teria tanta saudade da minha mãe porque estaria em outro lugar em vez de estar sentada ao lado dela durante a Sessão da Tarde nos anos 90. Talvez eu não tivesse tido uma segunda chance com meu pai e nunca olhasse para ele com o olhar de admiração que hoje possuo. Talvez até eu não fosse a madrinha da Yasmin e assim não teria o brilho luminoso do olhar de uma criança por perto uma vez que eu não tenho nenhuma intenção de ser mãe.
              Talvez sem tudo isso eu nem existisse.

Com amor,

Cristina Braga

"E se tudo tivesse sido diferente?
Restaria algo de quem você é hoje?"



P.S.: Queridos leitores a partir de hoje vou buscar postar os textos somente com ilustrações e pinturas para que fique claro que a bandeira que porto é a da arte. Todos os textos serão publicados aos domingos e eu aguardo cada um nessa minha pequena sala escura chamada de Feriados de Mim. Ah no domingo agora entrego a segunda parte do conto Coração Dilacerado. Espero que gostem e forte abraço.

domingo, 3 de maio de 2015

Coração Dilacerado

Aviso: Isso não é uma historia sobre o amor. 
Nem tudo é sobre o amor. Ok?






Ficção, only, ficção.

        Os boys estão com suas calças apertadas erguendo seus instrumentos, tirando som de suas espetaculares guitarras como se fossem Jimi Hendrix e as meninas estão gritando até perder a voz por traz de seus rostos perfeitamente maquiados. Quem estará com elas no fim da noite com rímel borrado e um vazio devastador? Quem ajudará a nós que só precisamos nos sentir vivos? “Erramos feito loucos e só queremos mais um gole da bebida que tu vende aí”, pensou Dado enquanto olhava para o barman.
 Que olhos são esses de demônio? Falou a menina da voz doce.
 Nada Luzia, estou longe pensando nas minhas guerras pessoais.
 Que merda, cara. Guerras vem com visões de carne dilacerada e isso é tão fora do eixo pra se pensar num festival.
 Quem sabe seja só isso que sejamos... Carne dilacerada? Corações dilacerados!
 Um puta titulo para uma banda. Encerrou a ruiva com o olhar mais irônico da noite.
         Antes que pudessem continuar a conversa deprê foram invadidos novamente pelo som da banda que iniciava sua apresentação. O Rock´n Roll ecoava por toda parte, pessoas frenéticas se moviam ao som ensurdecedor, menos o Dado que estranhamente celebrava o aniversário de morte do irmão. A cena imunda de um garoto de 17 anos desarmado de esperanças segurando um revolver ainda lhe assaltava as noites e como não poderia ser o canal sintonizado naquele dia? Nando era um garoto com uma timidez convidativa que não fazia nada que não soasse agradável. Era o queridinho de todos, colecionador de boas notas, atleta, participava de clube de jovens na igreja do bairro, ia fazer Medicina, mas nem tudo que a gente vê por fora tem o mesmo aspecto por dentro, não é? Nando não deixou bilhete, carta ou merda assim explicando o porquê. Foi um baque que arruinou toda a família. O Dado teve que sair de casa porque não suportava mais a perda do irmão e as comparações que sua mãe fazia. Ele se culpava por não ter compreendido o que o irmão não lhe dizia. Passou anos revisitando a infância e a adolescência para achar vestígio que pudesse justificar, mas não achou. Uns cinco anos depois quando um tio muito próximo descobriu ter câncer em seu estagio final ele foi chamado de volta pela mãe que precisava de ajuda para alternar nas noites de hospital. Numa dessas noites ouviu do tio em delírios palavras balbuciadas com dificuldade que chamaram sua atenção. Palavras que falavam de seu irmão suicida, antes deste o ser. Palavras, confissões que justificaram tudo. O irmão fora uma vitima do tio que sempre fora tão amável e correto, mas na verdade não passava de um pedófilo.
         Dado não derramou uma lagrima quando o tio morreu, mergulhou em drogas e se sentiu mal por não ter estado lá pra ajudar o Nando na maldita noite que significaria seu fim sete anos mais tarde. Esse inferno pessoal lhe o acompanhava por onde fosse, mas naquela noite foi interrompido...
 Dado! Dado! Hei você está uma delicia... devíamos sair juntos daqui hoje.
 É, não seria nada mal abrir até o fim o zíper do seu vestido, gata.
     Luzia levou a bebida até a boca desenhada em vermelho-sangue e ele fingiu estar completamente interessado. Assim era mais fácil esconder seu coração dilacerado.


Cristina Braga